Isaac N.Almeida Ramos

É possível um poeta ser considerado moderno escrevendo, predominantemente, sob a forma de sonetos ou o uso dessa forma impossibilita tal classificação Escrever versos livres e brancos é o suficiente para classificar um autor como moderno A idealização do amor e/ou da mulher amada é condição sine qua non para classificar um poeta como romântico O eu lírico utilizar a segunda pessoa do singular é marca indelével da tradição romântica ou da poesia clássica O culto da forma é próprio do poeta parnasiano Ao término do segundo grau, no final da década de 70, talvez eu tivesse todas essas respostas na ponta da língua. No entanto, após uma década e meia do século XXI, essas respostas não mais satisfazem um leitor iniciado. É preciso ter olhos de redescobrir, como diria Manoel de Barros, para enxergar outras possiblidades sistêmicas e semânticas.

A ideia pré-concebida de que o poeta é um ser inspirado e de que a poesia é o pão dos eleitos serviu por muito tempo à filosofia romântica. Aliás, isso poderia ter caído por terra desde a Grécia Antiga, quando Platão disse para fazer poesia bastava inspiração e, na sequência, Aristóteles acrescentou que também deveria ter o domínio da técnica do verso. Isso poderia ser trocado por outra expressão: uso da razão. Não é a emoção que produz o verso perfeito. No máximo, serve como mote para o exercício do fazer poético. Não por acaso, Paul Valéry reproduziu em seu conceituado artigo Poesia e pensamento abstrato, do livro Variedades, um diálogo ocorrido entre Mallarmé e Degas no qual este último reclamava o quão difícil era escrever posto que ele vivia cheio de ideias, no entanto não conseguia escrever poesias. Ao que Mallarmé redarguiu: Poesia não se escreve com ideias, mas com palavras. Ler teóricos que desenvolvem a chamada crítica poética, como Valéry, Pound, Paz, Blanchot ou Cortázar serve para confirmar essas impressões críticas. No Brasil, Antonio Candido, Alfredo Bosi, Haroldo de Campos, Horácio Costa, entre outros, conjugam com esse verbo crítico. Posto isso, passo às considerações de um dos principais nomes da literatura brasileira produzida em Mato Grosso.

Rubens de Mendonça é um daqueles autores que, em um primeiro momento, parece ser difícil de classificá-lo. Não que tenha sido incompreendido, politicamente ou esteticamente, em seu tempo. Longe disso. Como escritor foi um dos responsáveis pela revista literária Pindorama (1939), que procurou trazer o modernismo para seu Estado. Apesar de a referida não ter vingado por muito tempo (possivelmente um semestre), Mendonça, dez anos depois, viria a participar da Secretaria de Sarã (1951), juntamente com Wlademir Dias-Pino, a qual tinha na direção o poeta Silva Freire. No mesmo ano de Pindorama, Mendonça publicou seu primeiro livro de poesias:

Garimpo de meu sonho. Como organizador, destaco três antologias: Poetas Bororos (Antologia de Poetas Mato-Grossense) (1942), Antologia bororo (1946) e Poetas mato-grossenses (1958). Como historiador da literatura produziu a primeira obra de fôlego do seu Estado natal: História da literatura mato-grossense (1970), que se encontra na sua terceira edição.

O primeiro de livro de Rubens de Mendonça intitula-se Aspectos da literatura mato-grossense (1938). Como se pode notar pelo título, é um livro de considerações críticas. Somente o segundo será propriamente literário. Denominado Garimpo de meu sonho (1939), traz 24 (vinte e quatro) poemas, sendo 18 (dezoito) deles sonetos com versos alexandrinos; ou seja, formados por doze sílabas poéticas. Em pleno modernismo, o uso desse modelo parece ser um contrassenso. Todavia, procurarei mostrar que não o é.

O soneto é clássico, por excelência. Considerado a forma perfeita. É uma das preferidas, dentre todas as formas fixas. Constituído por dois quartetos e dois tercetos escritos em versos decassílabos ou dodecassílabos (alexandrinos). Se hoje em dia poucos poetas escrevem balada, cantiga, vilancete, rondó, rondel, sextina, oitava, décima, etc. E algumas espécies acabaram por quebrar o formalismo rígido como: ode, hino, canção, elegia, madrigal, epitalâmio, bucólica, entre outras. O mesmo não se pode dizer do soneto. Ele continua sendo praticado em pleno século XXI. Isso se aplica a autores que cultuam uma tradição literária indo até contemporâneos como Glauco Mattoso, que utiliza essa forma nos seus poemas pornográficos.

Evidentemente, Mendonça não chegou a esse tipo de ousadia. Todavia, em seus poemas, tratou de alguns temas de cunho político regional (A rusga, Rumando ao Ocidente), social (Garimpo do meu sonho, O garimpeiro), religioso (D. José Antônio dos Reis, Lázaro) e, sobretudo, lírico amoroso. Dentre os citados, são primores os que partem do social para falar das desilusões do amor e da sina da escrita: o poeta é um garimpeiro em busca da ilusão (2009, p.182).

Detenho-me no poema Garimpo do meu sonho, cujas construções das imagens poéticas se dão através de cuidadas metáforas que, diga-se de passagem, não são reféns do romantismo. Chama atenção o inusitado encontro entre o tradicional e o moderno. Isso pode ser visto em versos como: E passa a mocidade e passa a primavera,/ por fim quando morrer a última quimera,/ somente hão de ficar cascalho da ilusão (2009, p.181). O poeta sonda a palavra como o garimpeiro sonda a pedra apetecida, em passagem anterior. Imagens de escapismo, fuga da realidade, próprias do romantismo, se misturam a matéria prima da poesia, próprias do modernismo, que deve ser garimpada em busca do diamante do amor. Nem brutos, o diamante e o amor, são achados. Apenas retalho da ilusão, qual pedra sem valor. E nisso se diferenciam, por exemplo, do modelo parnasiano que valorizava a forma, lapidava o verso e via o poema como um objeto de arte. Não é o caso dos poemas do poeta matogrossense.

Morfologicamente, no poema em questão, predominam nomes. Palavras como diamante do amor, retalho da ilusão, pedra sem valor, cascalho, recompensa, Poeta, garimpo, pedra apetecida, imensa fé e de louca ambição, última quimera e cascalho da ilusão se espalham na bateia do poeta. São nomes que ficam, apesar da presença de verbos como busco, encontro, mergulho, encontro, sondar, morrer e ficar. Todos estes no campo semântico relacionado ao garimpo, no entanto são termos coadjuvantes nessa lavra poética de Mendonça. Os nomes, complementados por marcas adjetivas, potencializam o estado de espírito do eu lírico e ressaltam a dor que o mesmo sente. Curioso é que, normalmente, são os verbos que exercem essa função.

Desde a primeira estrofe, as metáforas são bem empregadas. Aliás, desde o título. Em passagens como busco o perfeito/ diamante do amor e encontro só retalho, na primeira estrofe, e vou sondar o leito/ deste rio da vida e encontro só cascalho, na segunda, encontramos essa figura muito utilizada por poetas barrocos, românticos e simbolistas. Nota-se também a presença do paradoxo. E é esta a recompensa atroz de meu trabalho. Uma contradição que simboliza o não achado do amor. O poema se encerra com uma metonímia, um eufemismo e outra elaborada metáfora: Por fim quando morrer a última quimera,/ Somente hão de ficar cascalho da ilusão.

O eu lírico se dirige a si mesmo, como se auto penitenciasse: Lembra, Poeta, é tal qual um garimpo, esta vida. Digo que esse procedimento metalinguístico não é próprio do romantismo ou do parnasianismo. É uma marca presente em grande parte dos poetas modernistas. Manuel Bandeira, Oswald de Andrade, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo, Manoel de Barros, Silva Freire, entre outros, utilizaram muito esse recurso. Ainda nota-se, no conjunto do poema, uma carga de pessimismo, que remete à poesia de Augusto dos Anjos. Esse pessimismo está relacionado à dualidade da falta do amor e da falta da riqueza proveniente do garimpo e da lavra poética.

Situação não muito diferente ocorre no segundo texto do livro. Trata-se de O garimpeiro que, igualmente, obedece a todos os elementos do aspecto formal (versos alexandrinos, rimas ABAB nos quartetos e CCDEED nos tercetos, esquema rítmico predominante 12 (2,6,12)) do poema anterior, e grassa a metáfora do poeta garimpeiro.

 

Aparentemente, falar da lida do garimpeiro é um pretexto para falar da lida do poeta.
Na primeira estrofe o eu lírico parece se referir tão somente ao garimpeiro.
Exposto ao sol, à chuva, o ousado aventureiro,
Já cego de ambição, buscava, num tormento,
A pedra preciosa, e escava o dia inteiro
A terra a batear, em busca do sustento. (grifos meus)

 

Todas as palavras grifadas, semanticamente, se referem às atividades do garimpo. Até esse momento parece não haver novidades. Destaco, ainda, que, no poema anterior, o eu lírico se apresenta na primeira pessoa do singular e apenas no

primeiro terceto ele se mistura ao poeta indo para o plural: Vivemos a sondar a pedra apetecida. Neste, a primeira estrofe é impessoal e a partir da segunda ele se manifesta na primeira do plural.

 

Procuramos também, qual esse garimpeiro,
As pedras da ilusão do nosso pensamento;
Garimpando no sonho o nosso grande e intento,
Tiramos pedras vãs, tal como esse mineiro. (grifos meus)

 

Algum leitor desavisado poderia pensar que o fato de o poeta valorizar o trabalho da linguagem – relacionando-a a riquezas minerais – poderia remeter à temática parnasiana, cujos poetas viam o poema – produto final – como um objeto de arte. Todavia, esteticamente, o comportamento cético desse eu lírico está mais próximo de um Fernando Pessoa ou Álvaro de Campos (um dos heterônimos pessoanos).

Cabe a lembrança de que o poeta português publicou um único livro, em vida, Mensagem (1934), cujos poemas são metrificados. Esse livro – uma espécie de epopeia fragmentária – revisita e, em grande parte, cria uma mitologia do passado heroico de Portugal. Sem dúvida alguma, dialoga com a epopeia camoniana de Os Lusíadas. Rubens de Mendonça, poeta e historiador, parece ter a dimensão do que estava fazendo. Mais do que posar feito um poeta romântico ou parnasiano ele revisita e, em vários poemas do livro Garimpo do meu sonho, cria uma mitologia do passado heroico de seu Estado natal. Importante mencionar que Mato Grosso não teve, como Portugal, uma grande epopeia. Volto os olhos ao poema de Mendonça:

 

E, assim vivemos nós, lutando noite e dia.
O cérebro a sondar esse abismo profundo,
A ampla mina gentil da nossa fantasia.
Cavamos, e eis por fim, pedras em profusão,
Carbonato feliz – qual o verso facundo
O poeta é um garimpeiro em busca da ilusão (grifos meus)

 

A cidade de Cuiabá, assim como grande parte de Mato Grosso, viveu por longo tempo a corrida do ouro. Exemplo disso são as Monções e as Bandeiras, que ocorreram nesse Estado. Poetas modernistas como Silva Freire também se debruçaram sobre esse tema. Recomendo a leitura do poema Garimpo da infinitude.

Manoel Mourivaldo Santiago Almeida, em Apresentação da segunda edição especial de História da literatura mato-grossense, afirma que Rubens de Mendonça é um espírito em sua melhor definição etimológica: spirâre (soprar) (2005, p.17).

Carlos Gomes de Carvalho em texto denominado A poesia romântica em Mato Grosso afirma que Rubens de Mendonça passa do parnasianismo ao modernismo, tracejando uma evolução marcante rumo ao verso livre e despojado, mas sem nunca ter realizado um rompimento radical e que o autor realiza um movimento de vai-e-volta, sem embargo de seu engajamento, por exemplo, no Movimento Graça Aranha e na publicação da revista Pindorama, já no final da década de trinta (2009, p.9). Reproduzo trechos de um divertido poema, publicado no Dom Pôr do Sol (1954):

 

Saci Pererê é também poeta modernista

(...)

Saci Pererê
pintor futurista
tem alma de artista bem original.
Saici Pererê
agora pôs fogo nos versos antigos dos velhos poetas,
não quer mais saber de pálida e loira, nem sabe de métrica
nem gosta de rima,
Saci quer poesia, poesia nascida alma do povo,
da gente da rua que luta e que sofre.
Negrinho teimoso, negrinho danado só anda a dizer que
é modernista
Saci Pererê
Você é a poesia, a nova poesia do novo Brasil

 

Esse texto é um libelo modernista, sem dúvida alguma. Faz lembrar a figura ladina do personagem Macunaíma de Mário de Andrade. Ao mesmo tempo, parece flertar com o poema Poética de Manuel Bandeira. Este pertence ao livro Libertinagem (1930). Destaco a última estrofe de um verso só: - Não quero mais saber do lirismo que não é libertação. Pode não ter a radicalidade visual utilizada por Wlademir Dias-Pino, em seu livro de artista A Ave (1956), que estava em construção, nessa época, cujo autor foi do Intensivismo para o concretismo. Pino foi um dos nomes convidados para participar da Exposição Nacional de Arte Concreta (no final de 1956, em São Paulo; no começo de 1957, no Rio de Janeiro).

Volto ao poema, ao explorar a imagem de um conhecidíssimo personagem do folclore brasileiro, como Saci Pererê, Mendonça traz à tona toda a irreverência que marcou o modernismo, sobretudo na primeira geração. Todavia, o recado serve para seus próprios contemporâneos cuja maioria nem chegou a ter experiências temáticas modernistas como essa. Com um jeito moleque de ser anuncia: Saci Pererê/ agora pôs fogo nos versos antigos dos velhos poetas. E de forma brincalhona, a qual lembra passagens críticas de seu livro História da literatura mato-grossense, como quando se refere a um poema que Silva Freire dedicou a Marechal Rondon. Quanto a este, Mendonça apresenta: Negrinho teimoso, negrinho danado só anda a dizer que / é modernista / Saci Pererê/ Você é a poesia, a nova poesia do novo Brasil.

Hilda Dutra Magalhães, autora que executou uma pesquisa de fôlego e partiu inicialmente dos estudos historiográficos de Mendonça, a respeito desse auto afirma que, como poeta, Na verdade, Rubens de Mendonça, embora tenha sido um dos fundadores da revista Pindorama, pouco contribuiu, em termos de produção literária, para a implantação da estética moderna em Mato Grosso. A sua poesia afina-se muito mais com os ideais românticos do que com os modernos (2001, p.112).

Reproduzo um diálogo pertinente de Rubens de Mendonça com a poesia Cidadezinha qualquer de Carlos Drummond de Andrade, do livro Alguma poesia (1930):

 

Monotonia

Por que será que todas as manhãs
o sol nasce do mesmo lado
Por que será que todas as tardes
o sol morre no mesmo leito
Será que ele não se cansa de fazer a mesma coisa todos
os dias
Êta sol besta
(Dom Pôr do Sol, PR, p.282)

 

No poema de Drummond, temos os versos: Um homem vai devagar./Um cachorro vai devagar./ Um burro vai devagar./ Devagar as janelas olham.// Eta vida besta, meu Deus. A simbologia da monotonia é parafraseada em um divertido diálogo da Cuiabá de Mendonça com a Itabira do poeta mineiro. A novidade é ele introduzir questionamentos a passagens dos dias. O calor da capital mato-grossense provoca alucinações poéticas sintomáticas ao eu lírico. A monotonia do dia dá vez ao bom humor da poesia hodierna. Mendonça tinha essa veia satírica expressada em um bom

número de trovas e mesmo em sermões em prosa, que ajudavam a desconstruir a imagem de sisudez que parecia ter. Coisas de poeta. Por sinal, a maioria dos poemas de versos livres e brancos, como este Monotonia, que ele escreveu estão no livro Dom Pôr do Sol (1954). Cabe ressaltar que os sóis do modernismo deitaram seus raios um pouco tarde no Estado de Mato Grosso. Rubens de Mendonça foi um dos precursores dessa iniciativa com a fundação da revista Pindorama (1939). Isso ocorreu mesmo o autor tendo uma preferência, nos primeiros livros, por sonetos de versos ora decassílabos ora alexandrinos.

O poeta historiador anuncia alguns acontecimentos da história de Mato Grosso, os quais são liricamente poetizados. Exemplo disso é o poema Rusga, que faz parte do livro Garimpo do meu sonho (1934). Balas a sibilar... Noite atroz... Agonia.../ Só o troar dos fuzis e a voz da ventania,/o silêncio a corta, de momento a momento. (Rusga, PR,p.184)

Essa toada com uma pitada histórica também se faz presente no poema seguinte do mesmo livro:Poeta, assim também, se fores insultado/se algum perverso ou vil te houver caluniado/trabalha, e para os maus tenhas sempre o perdão (Invídia, PR, p. 185)

Destaque para o poema Desilusão, que faz lembrar alguns reflexivos versos de Augusto dos Anjos, no livro EU, no pré-modernismo:

 

Descreia da bondade e da filantropia.
São rótulos com os quais essa gente te engana,
se acaso lhe cair a máscara sombria
verás um polvo horrendo em uma cara insana.
Não busque estudar, e nem conhecer a alma.
Os homens são tão vis, tão maus e tão perversos,
são mais sujos talvez, que a própria e imunda lama.
(Desilusão, PR, p.187)

 

Uma imagem melancólica e liricamente triste são as imagens apresentadas no poema O velho lampião, do mesmo livro:

 

Hirto e triste repousa agora abandonado
Um velho lampião, sem luz nem claridade,
que outrora iluminava esta velha cidade
w hoje tristonho jaz, tal qual um condenado. (...)
E o velho lampião, sozinho e tristemente,
como um Poeta a cismar, torna-se indiferente,
no insulto, e ao rancor da turba vil, boçal.
(O velho lampião, PR, p.189)

 

Na mesma toada do poema Desilusão pode ser contemplado o conhecido Quarta feira de cinzas, citado em alguns manuais literários sobre a literatura produzida em Mato Grosso. Há um quê de existencialismo na passagem abaixo:

 

Cheio de tédio e de mágoa cheio,
após dançar três noites sem descanso
o homem quedou-se pensativo e triste,
a contemplar a tarde melancólica.
(Quarta feira de cinzas, PR, p.196)

 

Essa melancolia profunda e enigmática pode ser observada em outro poema, em que a alma é comparada a um castelo abandonado, com intensa carga metafórica e sinestésica:

 

Minha alma é qual castelo abandonado
escombros solitários de tapera,
no silêncio da noite e do passado
descansa envolto em verdejante hera.
E hoje, tristonho, quedo e sossegado,
por entre a ruína onde a saudade impera,
esse velho castelo desprezado
sente mover os sonhos e a quimera.
(Velho castelo, PR, p.200)

 

Em outro poema, o recurso da gradação se faz presente e se intensifica fechando com uma comparação com sabor de metáfora:

 

Medita, sonha, esquece, pensa e cisma.
Vendo esta vida pelo mesmo prisma,
minha alma é como a garça sonhadora.
(A garça, PR, p.202)

 

Em um soneto com temática nada tradicional que, no entanto, flerta com o mais puro simbolismo francês pode-se degustar os seguintes versos para curar o tédio e os males da alma de um poeta:

 

vou à taça, matar este medonho
tédio, que me persegue noite e dia. (...)
E como Baudelaire na desventura
Sorvo os tragos da taça com loucura
De Edgar Poeta, buscando inspiração
(Absinto, PR, p.203)

 

O próximo poema a ser destacado lembra a inesquecível letra de Adelino Moreira com Enzo de Almeida Passos, Negue, imortalizada nas vozes de Cauby Peixoto e Maria Bethânia, entre outros intérpretes. Ocorre que o texto de Mendonça, dessa vez, é bem anterior à famosa composição, a qual data de 1960. Curioso que no poema a seguir a presença da erotização é mais forte que na letra de canção da MPB. Melhor reproduzir o último poema do livro Garimpo do meu sonho, para que cada um tire suas conclusões:

 

Não digas a ninguém

Peço-te: não digas a ninguém que te amei.
Jamais digas que fui teu.
Não digas que os meus lábios roçaram nos teus lábio
e nem que as minhas mãos trêmulas e frias
roçaram na epiderme macia de tua carne em flor.
E nem digas que as minhas unhas feriram,
sem querer,
os róseos bicos de teus seios.
- Não digas a ninguém que te amei.
São Salvador, 20 de junho de 1936

 

O poema seguinte dialoga de forma intensa com os dois primeiros do livro Garimpo do meu sonho, analisados no começo deste texto. Sem me reportar aqueles, destaco os dois últimos tercetos:

Cascalho da ilusão

E eu, assim, a lutar, busco o verso perfeito,
o diamante sem jaça, a pedra sem defeito,
carbono gentil da minha inspiração.
Mas, só pude encontrar nos versos que componho
- Filhos da minha dor – Garimpo do meu sonho
onde só pode haver – Cascalhos da ilusão.

 

A seguir, o segundo texto presente no livro Cascalhos da ilusão, merece uma análise um pouco mais apurada. Tenho predileção por ele. Inclusive na edição especial de História da literatura mato-grossense (2005), que saiu pela Unemat Editora, que além do texto original apresentou uma pequena fortuna crítica. Nele escrevi um texto denominado Algo mais que um Souvenir literário (p.206-208). Reproduzo integralmente o poema e passarei à análise do mesmo:

Souvenir

Evocar o passado é viver uma vida,
Uma vida que há muito e muito já passou..
É lembrar, talvez, de uma quadra querida,
E sonhar novamente o sonho que sonhou..
É sentir dentro d'alma a esperança perdida
De ser feliz, bem junto a mulher que se amou..
É a saudade – velhinha humilde e combalida
A chorar tristemente o inverno que chegou..
Recordar... É sentir um suave perfume...
É o pranto da dor, nostálgico ciúme
Que afagou docemente a nossa mocidade...
Recordar é a feliz lembrança do passado...
Viver no coração o tempo amargurado
Dentro dele florir uma eterna saudade..

Quanto ao aspecto formal, o soneto Souvenir de Rubens de Mendonça está estruturado com versos alexandrinos. O esquema rítmico predominante é 12 (3,6,12).

O esquema rímico é ABAB ABAB CCD EED; ou seja, nos quartetos as rimas são alternadas. Nos tercetos, os dois primeiros versos são paralelas ou encadeadas e o terceiro verso de cada estrofe são intercalados.

Quanto ao aspecto fonético-fonológico, nota-se um tom mediano que, na prática, destaca sons como os fonemas vocálicos /a/, /i/,/o/ e consonantais //, /nh/, /lh/.

Quanto ao aspecto estilístico, há uma presença maior de metáforas que procuram enaltecer o passado, as boas lembranças que advém de um sentimento puro e ao mesmo tempo doloroso. Por exemplo: Evocar o passado é viver uma vida (...); é sentir dentro d'alma a esperança perdida (...) é a saudade – velhinha humilde combalida. Ainda, a presença de diversas personificações que procuram humanizar ações corriqueiras próprias de uma pessoa eivada de sentimentos. Há algumas hipérboles que amplificam a dor do eu-lírico de forma a valorizar o verso. Relacionada ao pranto da dor o poeta menciona um nostálgico ciúme/ que afagou docemente a nossa mocidade, encadeando uma inusitada sinestesia. Com relação às figuras sonoras, destacamos as assonâncias do /a/, /i/,/o/ e aliterações do //, /nh/, /lh/, que procuram expressar uma melancolia profunda, própria de um sentimento vivido.

Quanto ao aspecto morfossintático, destacamos algumas palavras-chave como: evocar, viver, lembrar, sonhar, sentir, chorar, recordar, pranto, nostálgico, afagou, lembrança, amargurado, florir e saudade. Sem dúvida alguma, um dos poemas mais metafóricos de Mendonça. Outras análises seriam bem vindas para somar a esta.

A literatura produzida em Mato Grosso está preparada para dar um próximo passo no século XXI. No entanto, os poemas de Rubens de Mendonça não podem nem deve ficar circunscritos apenas à edição comemorativa de um centenário.

Seguramente, os trabalhos deste livro com estudos críticos contribuirão e muito para que essa realidade permaneça; ou seja, a valorização de um nome que fez história no seu Estado e aceitou o desafio de alinhar uma literatura que se encontrava no romantismo e parnasianismo para fazer ouvir as vozes do modernismo em um Estado rincão. Esse era o garimpo dos seus sonhos. Esse era o pôr do sol que Rubens de Mendonça pretendia. O mais é anedota crítica.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CARVALHO, Carlos Gomes de. A poesia em Mato Grosso: um percurso histórico de dois séculos. Cuiabá: Verdepantanal, 2003. ______. (Coord. e org.). Poetas românticos: Antonio T. de Almeida; João Villasboas; Rubens de Mendonça; Newton Alfredo. (Col. Obras raras da literatura matogrossense. V. 8)
MAGALHÃES, Hilda Gomes Dutra. História da literatura de Mato Grosso: século XX. Cuiabá: Unicen Publicações, 2001.
MENDONÇA, Rubens de. História da literatura mato-grossense. 2.ed. especial. Cáceres: Ed. Unemat, 2005.

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