Contemporaneidade: VOZES

Marilia Beatriz *

O discurso de Rubens de Mendonça é temperado pela conversa com o novo intercalado com os recortes na tradição.

Para ele escrever é usar todos os artefatos da linguagem porque tem como certo que ser é ser de linguagem. Ele busca encontros e ouve vozes saltando dos livros, dos jornais e das trocas com parceiros. Cria vestígios, ressuscita ressonâncias e modela as máscaras da realidade na ficção literária. Ali encontra o falar de outros, ouve o seu próprio sentir, retira sons quase imperceptíveis das inspirações e por assim inventar inspira e expira o ar literário da contemporaneidade. Sua face contemporânea é esta impressão de operações ambíguas, de conversas com realidades ocultas ou os dizeres de outros escritores e os murmúrios dedicados, por exemplo, em Souvenir o soneto tem a fala de Júlio Dantas: “Recordar é viver”. Sempre conversa com muitas vozes, bate papo com as múltiplas faces escriturais e ouve daqui e d’além muitos sons.

‘No Escafandro da Vida ‘ e cheio de ambição, Mergulho a revolver ‘Garimpo do meu sonho’, Para somente achar ‘Cascalhos da Ilusão’...” é aqui que a conversa instaura o disse-me-disse das obras de Rubens.

O universo do discurso deste A. descortina e desvela a realidade para deixar aflorar o jogo da semiótica, os signos /palavras substitutos do mundo real por dentro da escritura. Por falar de contemporaneidade é bom que realce que esta via passa a ser o lugar privilegiado da Inter-relação dos elementos do tecido textual. Contemporâneo é o movimento sígnico/lúdico que releva a expressão do homem como ser simbólico e, eminentemente criativo apontando a especial estrutura do pensar autônomo. Importa ressaltar que aquela via satírica por nós abordada em 25 de fevereiro de 2015 atua como dinamismo que tenta minorar a separação entre as coisas para restaurar uma certa natureza lógica da arte. O discurso de Rubens mostra o humor como matiz da letra e o jogo como libertador da palavra!

 

O Tempo contemporâneo

Eis o instante em que a palavra nova da instauração inaugural da literatura surge da exigência de conter e falar uma relação diversa com as coisas. Um modo de expressar o mesmo com outra roupagem! É agora que o verbo poderá retirar a mitificação e trazer a falsidade (ou não) da ideia sobre as coisas. Rubens em certo sentido destrona a técnica tradicional, porque não poderia perceber o que havia de inovação na escrita que produzia. Sabia da instabilidade da literatura e de sua sacralidade, porém devia quebrar os ranços desfraldar a bandeira do novo, do tempo vivenciado.

A imagem da nova cultura é disseminada. Em seu discurso está escrito ;”Penso, Senhores, que duas finalidades deve ter uma Academia de Letras, coordenar os luminares da literatura e difundir amplamente a cultura.

Se essa é a dupla finalidade das Academias, podeis contar com a minha modesta colaboração. Mas, se a Academia pretende ensinar gramática ou dar lições de estilo, então ele fugiu à sua finalidade e deixou de ser Academia.”

Como afirmou Hilda Hilst:

”Calma, calma, também tudo não é assim escuridão e morte” O nosso homenageado tinha consciência dessa labilidade ao mesmo tempo perpetrava escritos entre a sombra e luz. Um ser de sabor com saber, pois aquele pensante nem sempre aceita o mundo oficialmente organizado e explicado como querem certas cartilhas.

Mendonça necessita entender a quadratura da arte nos albores da modernidade e constata a dificuldade, o problema que é encontrar um modo para colocar a ossatura de seus escritos em modelo exato. Pode, por exemplo, apanhar um Joseph Conrad para sustenta-lo com esta afirmação: “A arte destina-se acima de tudo a fazer-nos ver” Enciclopédia AUDIO-VISUAL GEO HISTÓRICA de Mato Grosso dá bem a prova do avanço de Rubens. É preciso que as pessoas vejam assim a criação está completa. O escritor tem essa missão tornar os invisíveis claros para o mundo. Eis uma das operações do contemporâneo.

 

O moderno e a estética

Na SEDE da modernidade os autores percebem que sua tarefa é a instrução, ou melhor, dizendo uma intrusão da linguagem. O que importa não é mais do que se fala, mas sim o falar das letras, da linguagem.

Nesse sentido é preciso situar que foi com Rimbaud e Mallarmé que a literatura fez uma revisão continuada PELO Manifesto do Surrealismo. Conforme já noticiei em recente aula no curso de Literatura aqui mesmo Baudelaire, inventor dapalavra modernidade definiu a mesma como “progressiva decadência da alma e progressivo predomínio da matéria” Outra característica é o pluralismo estilístico. A dissidência estilística da arte da vanguarda é reação contra a rigidez da arte da burguesia.

O trabalho literário é conquistado pelo sistema de signos. Os signos incorporam a matéria verbal e esta é o Corpus da literatura. A força e o tencionar verbal equivalem ao amálgama de signos e frases, discursos, imagens, estrofes etc. O que confere existência é o espírito do escritor que também constrói a significação.

 

Ruptura

Cena e ato: em dado momento RUBENS DE MENDONÇA LANÇA-SE NO ESPAÇO E NO TEMPO recusando a linguística tradicional, busca a aventura e pouco importa o sucesso. Instaura o discurso da transgressão: A Palavra poética única é uma demência da língua EM EQUADOR:

E ardia no meu peito um fogo interno:
Meu coração era o Equador ardente
E tu mais fria que Moscou no inverno

A língua tem, pois todos os ícones sonoros do erótico: Sopros (e/f), gemidos (a, ei), vibrações(r), etc.

Quando há citações, por exemplo, de Pirandello, Pitigrilli, e outros tantos autores as vozes trazem o Acaso que conspira no aqui e agora na instauração de um deslumbrar que a escrita apresenta:

Quando teu lindo corpo nu eu vejo
Na glória da volúpia e da paixão!

Tais gritos desse corpo poético assinalam a questão > o ver no séc. XX é importante na arquitetura literária. A letra, a palavra, as frases, os discursos precisam do encontro de quem vê- o leitor. As rupturas estão nos jogos no desprezo do arranjo Gramático como escutamos no discurso de posse.

 

O REAL E O EXÓTICO

Desde as “Correspondances” de Baudelaire, passando pelo colorido de Rimbaud, surge um mundo de sensações incluídas. A poesia que encontramos em R. de Mendonça é de ordem sensorial, unida a captação impressionista.

 

Deslumbramento

Paciente o Criador foi, traço a traço,
Formando esse teu corpo escultural,
Desenhando tuas curvas a compasso!...

Aqui estamos diante do exotismo> construção em que o artista apreende sua única realidade. Tom escapista.

Encontramos em diversos trechos dos escritos mendonçiano a recusa da realidade social na qual não se integra: Imobilidade de um lago

Silêncio por tudo
Uma pedra lançada por um garoto vadio
Caiu na superfície d’água
Como se fora bomba atômica.

O poeta foge magicamente da realidade para terminar o poema CHOQUE assim:

Era o movimento,
Abalando nervosamente
A paralização!

O espanto no ponto de exclamação

A estrada da evasão conduz ao passado (num ressuscitar romântico) ou à transmutação do longínquo (intuição surrealista)

Nosso homenageado faz como constatamos em diversos de seus textos um ingente esforço para assumir uma situação histórica nova com intuito de compreender e adequar às imposições.

Ouve vozes no real e no exotismo dizendo: ”Eu acredito em espiritismo. E tenho pena de Alexandre Graham Bell quando sou obrigado a usar telefone da TELEMAT. Pena dele, propriamente, não, tenho pena da mãe dele.” Ou: "Creio que foi Luis XV quem disse : Toda mulher é boa, desde que, passe pelo banheiro e pelo dentista

 

Rubens e o modernismo

Ao assinar os Manifestos tanto na Revista Pindorama como o Graça Aranha ele vai buscar a heterogeneidade das influências e o apoio das vozes que com ele partilham dos ideais de renovação, sem desrespeito à tradição. O que os jovens Rubens de Mendonça e Gervásio Leite procuram é que as nossas letras andem nas pegadas do modernismo já lançado em outras regiões. É preciso destacar que a letra mato-grossense oscilava entre dois vértices que mixados, acionavam as instâncias criativas daquele tempo: a esteticista que vinha do impressionismo francês no qual a estrutura poética era a finalidade resultante da mística da palavra poderosa e que servia para exprimir a emoção + íntima de cada um e A VERDADE autêntica das coisas; e de outro lado a vanguardista que trazia em seu bojo a luta sistemática contra os meios de linguagem tradicional (provocados pela emoção) Disso decorre a oscilação entre o objetivismo e subjetivismo.

A estética de Pindorama é a revolta contra o estabelecido, contra o mofo nas e das letras.

O grito é: Nunca no mesmo plano o velho e o moço compareceram para discutir os seus problemas. Sempre a intolerância.

Com esse chamamento acorrem os novos para subverter e destronar as belas letras aquelas letras das epopeias, dos bons românticos. É preciso embaraçar o andar das oficialidades porque os moços do modernismo entendiam que lá estava o marasmo, o esgarçamento da criatividade.

Monotonia

Por que será que todas as manhãs
O SOL NASCE DO MESMO LADO?
Por que será que todas as tardes
O SOL MORRE NO MESMO LEITO?
Será que ele não se cansa de fazer a mesma coisa todos os dias?
ÊTA SOL BESTA

 

Experimentalismo

O experimentalismo está nesse encontro da singularidade criadora.

Quando a letra de RM passa a questionar o que a literatura pode dizer uma vez que esta posto que só a linguagem da ciência possibilita dizer verdades surge a reflexividade/experimental que passa a caracterizar àquele tempo e chega até este momento! É preciso aproximar o homem das suas impossibilidades e tentar fazer aí um laboratório. NÃO A OBRA FECHADA E SIM A OBRA ABERTA.

O signo e a vida estão em aparição constante porque é da fatura de Mendonça tal jogada. E é aí que as experiências encontram foco: a busca dos valores humanos pelo veio do humor, e como consequência o nascer da liberdade.

“Na outra encarnação eu quero vir ao mundo : ou cantor ou jogador de futebol, menos voltar metido a intelectual. Quero vir assim burro...” e no final desse Sermão aos Peixes (que creio ser uma das faces + fecundas da contemporaneidade) ele arremata: “Vou ser rico, vou ter até automóvel. Escrever livros é mania de cretinos e, ser cretino basta uma vez na vida". A liberdade fica esperando o lúdico para se restaurar.

Em Poética do Pós Modernismo Linda Hutcheon leciona que não é preciso apanhar nenhuma visão total. A atitude é questionar. O Autor passa o tempo questionando tudo para não erigir nenhuma coisa absoluta... Havia no experimentalismo os traços de alguma desordem: fragmentação instituinte, a comilança humanística, as rupturas das imagens míticas e místicas, tudo servindo para que a contestação desenvolva e formate a arte libertária e libertadora:

“Geração moderna deve procurar nas cousas atuais elementos para construir um mundo melhor.”

 

O Projeto contemporâneo

Aquelas fraturas e desarrumações trazem a liberdade incerta e tal incerteza de liberdade constitui uma marca contemporânea. Necessário compreender a noção DE LIBERDADE sem defini-la nem pelo lado da semiótica com seus signos e muito menos pela margem da vida: a busca das definições ou conceitos talvez esmague a liberdade criadora daqueles escritores (Rubens e Gervásio) ou de um Wlademir ou Silva Freire. Essa trupe instala na falta/falsa de seus textos/imagens a fabricação da arquitetura conceitual ( homenagem à Andreza Moraes Branco Leiria). O projeto propõe mudança radical na concepção da obra de arte, vista não + como representação direta da natureza ou imitação, mas como algo de qualidade diversa e de autonomia razoável, o que transgride os princípios da concepção literária.

 

O Cidadão e a cidade

A ascensão das cidades, emergência contemporânea do espaço citadino, por consequência das mudanças DO SISTEMA GLOBAL DE PRODUÇÃO, atinge a forma de procedimento textual da literatura. O Rubinho passeando pela cidade mostra o seu afeto pela paisagem urbana. Nada exclui bem ao contrário como o Flaneur de Baudelaire toma posse do que vê e devolve tudo como um fruidor para deleite do seu público. Ressaltei na Face satírica que tal observação começa da janela de sua casa bem aqui pertinho e depois sai pelas ruas parando aqui e ali, saudando os Josés e os Antonios, seus pés são pesquisadores e os seus olhos registram absolutamente tudo para depois com suas mãos tecer em suas escrituras Lendas, biografias, dicionários e crônicas, etc

CUIABÁ

Bendita, sejas tu,ó minha terra amada...
Tu que és do meu Brasil a pérola engastada
-Em pleno coração da América do Sul!
Pelas ruas , indivíduo e multidão se encontram e se desencontram, desesperando-se na queda do individualismo.
Cuiabá terra amada e amante!

 

O signo corpo e paixão no texto

A ambiguidade do texto erótico revela os polos opostos vida e sombra, luz e escuridão que amplia a poética do nosso homenageado. E é só na poética que encontramos a tensão do desejo. Autores explicam que o amor tem sua origem no mesmo impulso que faz nascer à linguagem. O escritor através das palavras quer possuir o mundo bem como com o amor quer possuir o Outro. Esse outro erótico é completamente desvelado é com o surgir desse outro que a diferença é instaurada, conhecida. Nessa explosão de cores fortes, nessa sofreguidão da construção de um texto sexualizado o erotismo inventa o corpo do desejo, o faz grávido de sabedorias. Vem distraído e é um ato marginal, não assenta EM CODIFICAÇÃO. Único e singular, cada repetição dele não é a mesma imitação. Assim é um som que sempre novo provoca o gozo da Beleza. A poética de Rubens cria a persona do outro. É o que sentimos em certos poemas. Rubens foi de ontem é de agora e será de sempre. Um grande autor para qualquer tempo! Satírico, erótico e contemporâneo.

 

Cuiabá 27 de julho de 2015

 

*mestre em Comunicação e Posse PUC/SP e ocupante da cadeira nº2 da AML

 

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